No caminho da escuridão muitos perguntam: “Onde está Deus?”
O cristão, em sua vida existencial, faz experiências de consolação; de desolação ou escuridão. Quem conhece a vida dos santos, sabe o quanto fizeram a experiência de serem consolados em sua alma, mas também, tiveram grandes momentos de desolação, vazio ou escuridão. São João da Cruz fala de: “A noite escura da alma”, como descreve:
“Vivemos insatisfeitos com nós mesmos, indispostos com nosso próximo, preguiçosos em nosso relacionamento com Deus. Com nossa força espiritual enfraquecida, adoecemos”. Para Santo Inácio de Loyola, desolação é a “obscuridade da alma, perturbação, inclinação a coisas baixas e terrenas, inquietação proveniente de várias
agitações e tentações que levam à falta de fé, de esperança e de amor”.
No caminho da escuridão muitos perguntam: “Onde está Deus?”. Muitos fizeram esse caminho e se encontraram com Deus, outros, no entanto, entraram nesse caminho. Mas, o abandonaram ao se darem conta da necessidade de peregrinar pelo deserto e de viver a desolação e a experiência do vazio. Não que Deus esteja do outro lado, longe, num deserto distante (Cf. Dt 30,13), porém, a experiência da escuridão não é excluída a quem pretende encontrar-se com Deus.
Por que a vida humana não suporta exilar-se na rotina, no vazio e na escuridão?
Porque, constantemente clama por algo a mais, pela felicidade. É nessa busca do algo a mais que nos deparamos com o deserto e com a solidão: “aplainai na solidão a estrada de nosso Deus” (Is 40,3b). Entrar na solidão, naquele espaço e momento de vazio que gera desconforto interior, angústia, pode tornar-se o caminho existencial que conduz ao encontro com Deus.
Porém, quando não entendido, não vivenciado na confiança e paciência, pode endurecer o coração e tornar-se um afastamento de Deus. Na escuridão existencial não existem caminhos, mas precisam ser construídos. Construir esse caminho é refazer pessoalmente a experiência do Êxodo, abandonando a realidade opressora. Neste caso, o vazio, a escuridão pela serenidade de viver na confiança e em liberdade. A solidão leva-nos a experienciar como Deus acompanha a caminhada sem impedir a realidade de vales, sombras e montanhas do caminho (Cf.:Isaías 40,1-11).
A mensagem de “consolação” (que o profeta Isaías nos apresenta) anuncia aos tristes, aborrecidos, desiludidos e frustrados que Deus não os abandonou e nem os esqueceu. Anuncia a eles que vai atuar no sentido de oferecer-lhes de novo a luz, a vida e a liberdade.
A fé garante-nos que Deus não está ausente da nossa história
Hoje, sentimo-nos tristes, com medo, deprimidos, frustrados, vazios e na escuridão. A fé garante-nos que Deus não está ausente da nossa história, indiferente às nossas necessidades. Ele continua a vir ao nosso encontro e a oferecer-Se para nos conduzir com amor e solicitude ao encontro da verdadeira Luz e da consolação.
A mensagem da presença de Deus é bastante instigadora para os tristes e sem esperança àqueles que já não se esforçam por escutar os apelos e os desafios de Deus. Instalados no desânimo, já perderam a vontade de arriscar e de recomeçar um novo caminho com Deus. Essa mensagem interpela todos os homens e mulheres que vivem acomodados nos seus espaços seguros, protegidos ou cedidos a uma vida fútil, vazia, leviana, insossa e convida-os a abrir o coração à novidade de Deus.
É preciso correr riscos, aceitar despojar-se do egoísmo, do comodismo, do materialismo, da escravidão dos bens, dos preconceitos, para assim, percorrer com Deus o caminho de regresso à vida nova da liberdade e da consolação. O anúncio profético de Isaías recorda-nos de que: Deus continua a oferecer ao mundo e aos homens a vida, a esperança, a liberdade, a misericórdia, a salvação e a consolação.
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”
Apesar da decisão sincera e do empenho coerente com o Evangelho, às vezes, temos a impressão de que estamos sozinhos e que Deus está distante. Estou falando do “silêncio de Deus”. O evangelista Marcos conta que: Jesus foi para o Jardim do Getsemani com uma finalidade bem precisa: estava angustiado porque sua hora tinha chegado e precisava encontrar-se com Deus.
Mas, naquela noite, quando Jesus mais precisava, Deus se fez silencioso. Chega a pedir o afastamento daquele cálice; e Deus continua silencioso. Jesus vai procurar seus discípulos e os encontra dormindo, incapazes de partilhar a angústia sufocante e ansiosa de Jesus. Jesus sentia medo, pavor, em tudo se fez humano, por isso, precisava de Deus, mas Deus se fez silencioso. Até mesmo seus discípulos silenciaram no sono. Deus se fez silencioso no Getsemani e não respondeu às orações de Jesus.
É na noite que Jesus prepara o sacrifício de sua vida, entrando no espaço divino por meio da oração. É na noite que Jesus sofre sozinho e os discípulos dormem. É na noite que Judas trai e entrega Jesus, vendendo-O pelo preço de um escravo qualquer. Escuridão! O silêncio de Deus incomoda Jesus, a ponto d’Ele sentir-se abandonado e reclamar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”
Deus silencia, mas não se ausenta
Existe, contudo, um detalhe que chama atenção no drama vivido por Jesus. Mesmo sofrendo, sentindo-se abandonado, Jesus continua rezando. Nem passa pela sua cabeça discutir se Deus é um Pai desnaturado, que deixa Seu Filho padecer e morrer. Ao contrário, o Evangelista Marcos (14,36) faz questão de mencionar que Jesus continua rezando e chama Deus de “Abbá”, uma palavra aramaica, que se traduz por “papaizinho” ou “paizinho”. É a demonstração de confiança profunda de que a escuridão na vida de Jesus não significava distância, abandono, afastamento, e sim um modo diferente de ser presença. Deus silencia, mas não se ausenta. É a intimidade com Deus e o poder da oração que mantém Jesus fiel até o fim.
A noite – a escuridão – da fé
O dinamismo da fé nos faz sair. Esse sair implica, muitas vezes, sem saber para onde (Cf.: a história de Abraão). É aventurar-se por um caminho que o cristão conhece como caminho da Cruz (Cf.: caminho de Jesus). É o paradoxo da fé. Morrer para ter vida (Cf.: Jo 12,24 e Mc 8,35). Esta atitude de fé é contra a lógica; e o homem de fé diz: “Os seus caminhos não são os nossos e os vossos pensamentos não são os nossos”.
A fé é a única luz, na escuridão, que deixa Deus soberanamente livre e não manipulável. Ainda que, Deus seja experimentado como ausência e silêncio (Sl 22,1), na escuridão e no silêncio da fé, a Palavra de Deus torna -se esperança e vida.
Padre Mário Marcelo
Mestre em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (MG), padre Mário é também licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (SC) e bacharel em Teologia pela PUC-RJ. Mestre em Teologia Prática pelo Centro Universitário Assunção (SP). Doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma/Itália. O sacerdote é autor e assessor na área de Bioética e Teologia Moral; além de professor da Faculdade Dehoniana em Taubaté (SP). Membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral e da Sociedade Brasileira de Bioética.
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