O hábito de falar mentiras pode ser um transtorno?
Começamos a pensar na mentira diante de um casal que nos procurou. A esposa relatou acreditar, até aquele momento, em tudo que o esposo dizia. Ele era um homem carinhoso, que sempre estava disposto a ajudar, cuidava das finanças da casa, era muito presente tanto com ela quanto com os filhos, tudo estava perfeito, não existiam mentiras.
A esposa nos disse, na consulta, que era como se uma “bomba caísse sobre a sua cabeça” quando descobriu que o marido mentia. Que decepção! Ela nos procurou, porque o tratamento era a chance oferecida ao marido. Estava muito magoada. “Meu esposo é uma farsa”, dizia ela aos prantos. Mentirinha pequena, média, grande, ele não conseguia mais parar de mentir.
Um dia, ela descobriu que eles estavam devendo um valor exorbitante, porque ele comprava compulsivamente, desviava o dinheiro, não pagava o aluguel, os empregados e, na sexualidade, vivia uma vida duvidosa. Que difícil! Será que a esposa não queria ver ou, de fato, ele não a permitia enxergar, escondendo-se a partir das suas mentiras? Quem era aquele homem: aquele que ela acreditava ser ou era aquele que acabara de conhecer com as suas mentiras? O fato é que as mentiras eram atitudes diárias que o marido tinha. A cada dia que se passava, mais mentiras eram descobertas, e para o mentiroso era o caos, ele tinha sido descoberto!
O esposo alegou que não entendia, mentia a respeito de situações simples do dia a dia até as mais complexas. Ele relatou que não havia necessidade de mentir, mas mentia mesmo assim. Começou a mentir quando ainda era criança e continuou a mentir vida afora. Se alguém o telefonasse pedindo um favor, ele respondia que sim, que com toda certeza atenderia aquele pedido, no entanto, ele não fazia o combinado e depois inventava uma história.
Quando a esposa perguntava: e aí fez o combinado? Sim, ele respondia. Posteriormente, criava mais mentiras para sustentar a mentira anterior, chegando até a acreditar nas suas mentiras. A sua vida era uma vasta história criada para não cair em contradição.
A mentira é uma escravidão! Sofre o mentiroso e sofre o que se sente enganado com a mentira. O caso acima refere-se a uma vivência da mentira como um transtorno. A pessoa mente compulsivamente. Existem alguns casos mais simples que não se configuram como um transtorno, mas, que não deixam de ser problema, são casos daquelas mentirinhas diárias que criamos.
Por exemplo: uma mulher que compra um sapato por 100 reais e diz que comprou por 30 reais; as pessoas que dizem não fazer algo, mas, na verdade, fazem sim; o marido que saiu de casa com os amigos e alegou que não saiu; o jovem que disse à família que iria dormir na casa de um amigo, mas foi para a balada.
A mentira tem seu objetivo, tem uma intenção e, muito provavelmente, uma história de aprendizado, mas ainda pode ter as causas que levaram a pessoa a optar por ela na vida.
O que é a mentira?
A mentira é um relato que não corresponde ao real vivido, mas sim uma estratégia verbal, muitas vezes, para enganar a outra pessoa ou a nós mesmos. Aliás, na maioria das vezes, a nós mesmos. O mais enganado é a própria pessoa que mente. Muitos o fazem para não lidar com a responsabilidade, para escapar das correções, das punições, do julgamento de alguém ou mesmo para alcançar um melhor conceito sobre si diante dos outros.
Muitas vezes, utilizamos a mentira para esconder um comportamento que temos, que não é aceito nem esperado. Muitos aprenderam a mentir no decorrer da vida, foram exercitando o ato de mentir. Em outras situações, às vezes, a pessoa se sente insatisfeita com a própria vida e, por isso, cria uma vida paralela, ou seja, cria uma vida que gostaria de viver ou mesmo uma pessoa que gostaria de ser.
Existe aquela pessoa que apresenta autoestima baixa, que precisa provar para os outros algo que ele ainda não conseguiu ter ou ser. A mentira pode ser a ponta do iceberg, pode esconder uma história, um autoconceito negativo ou um conceito negativo sobre as outras pessoas.
A pessoa que mente fica presa a sua mentira, uma vez que não poderá jamais esquecer o que relatou, pois terá de a sustentar. Que situação! O cérebro humano parece não ter sido criado para a mentira. Para mentir é preciso, primeiro, que o mentiroso saiba da verdade e, depois, crie uma história falsa. Portanto, o cérebro vai levar mais tempo para fazer esse processo. Primeiro, a verdade é memorizada e posteriormente a mentira é criada. O problema é manter arquivada uma memória de um fato que não aconteceu. Por isso, o esforço para manter a mentira é muito grande, a verdade tem o registro do fato ocorrido e será mais fácil lembrarmos dela.
Talvez, agora, esteja difícil para você viver a verdade, porque tenha criado muitas mentiras. E como desfazê-las? No entanto, existe saída: o remédio é exercitar a verdade.
Aqueles que vivem a mentira considerada como um transtorno devem procurar ajuda psicológica. Aqueles que vivem as pequenas mentiras podem livrar-se dessa escravidão, optar, a partir de agora, pela verdade; e se não o conseguirem, porque já criaram um hábito de mentir, devem também buscar ajuda.
Portanto, que tal viver a verdade? Que tal enfrentar ou mesmo resolver as suas dificuldades e assumir os erros, as falhas?
Bom, para terminar, sabe o casal do caso acima? Está bem! Ele assumiu que mentia, está lutando para não mentir. Tem identificado ainda algumas mentiras, mas tem se empenhado. Descobriu que muitas delas relacionava-se a uma insatisfação com a sua vida, outras, percebeu que eram hábitos ou autoimagem distorcida. A esposa precisou fazer um processo de perdão e assumir que aquele marido perfeito correspondia ao marido que ela queria, e que agora teria de ajudá-lo a ser o que ele precisava ser.
A esposa está trabalhando a confiança e não fica espionando o marido o tempo todo. Afinal, segundo um ditado popular, a mentira tem pernas curtas. O casamento vai bem, estão cada um avaliando os seus comportamentos e verificando o que o relacionamento pode auxiliar para serem o melhor que podem. Descobriram que a verdade é um ato de coragem e responsabilidade.
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