Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal
Queridos irmãos e irmãs, bom dia e bom caminho de Quaresma!
É belo e também significativo ter esta audiência justamente nesta Quarta-Feira de Cinzas. Começamos o caminho da Quaresma e hoje nos concentramos sobre a antiga instituição do “jubileu”; é algo antigo, atestado na Sagrada Escritura. Nós a encontramos em particular no Livro do Levítico, que a apresenta como um momento culminante da vida religiosa e social do povo de Israel.
A cada 50 anos, “no dia da expiação” (Lv 25, 9), quando a misericórdia do Senhor era invocada sobre todo o povo, o som da trombeta anunciava um grande evento de libertação. Lemos, de fato, no livro do Levítico: “Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis a libertação na terra para todos os seus habitantes. Será para vós um jubileu; cada um de vós voltará à sua propriedade e à sua família […] Neste ano do jubileu, cada um voltará à sua propriedade” (25, 10.13). Segundo essas disposições, se alguém era obrigado a vender a sua terra ou a sua casa, no jubileu podia retomar a posse; e se alguém havia contraído débitos e, impossibilitado de pagar, tivesse sido obrigado a colocar-se a serviço do credor, podia tornar-se livre para a sua família e reaver todas as propriedades.
Era uma espécie de “anistia geral”, com a qual se permitia a todos voltar à situação originária, com o cancelamento de todo débito, a restituição da terra e a possibilidade de gozar de novo da liberdade própria dos membros do povo de Deus. Um povo “santo”, onde prescrições como aquela do jubileu serviam para combater a pobreza e a desigualdade, garantindo uma vida digna para todos e uma distribuição equitativa da terra sobre a qual habitar e da qual tirar sustento. A ideia central é que a terra pertence originalmente a Deus e foi confiada aos homens (cfr Gen 1, 28-29), e por isso ninguém pode reivindicar posse exclusiva, criando situações de desigualdade. Hoje, podemos pensar e repensar isso; cada um no seu coração pense se tem muitas coisas. Mas por que não deixar àqueles que não têm nada? Os dez por cento, os cinquenta por cento…Eu digo: que o Espírito Santo inspire cada um de vós.
Com o jubileu, quem tinha se tornado pobre voltava a ter o necessário para viver e quem tinha se tornado rico restituía ao pobre aquilo que lhe havia tomado. A finalidade era uma sociedade baseada na igualdade e na solidariedade, onde a liberdade, a terra e o dinheiro se tornassem um bem para todos e não somente para alguns, como acontece agora, se não estou errado… Mais ou menos, as cifras não são seguras, mas oitenta por cento das riquezas da humanidade estão nas mãos de menos de vinte por cento da população. É um jubileu – e isso o digo recordando a nossa história de salvação – para se converter, para que o nosso coração se torne maior, mais generoso, mais filho de Deus, com mais amor. Digo-vos uma coisa: se este desejo, se o jubileu não chega aos bolsos, não é um verdadeiro jubileu. Entenderam? E isso está na Bíblia! Não é o Papa que inventa isso: está na Bíblia. O objetivo – como disse – era uma sociedade baseada na igualdade e na solidariedade, onde a liberdade, a terra e o dinheiro se tornassem um bem para todos e não para alguns. De fato, o jubileu tinha a função de ajudar o povo a viver uma fraternidade concreta, feita de ajuda recíproca. Podemos dizer que o jubileu bíblico era um “jubileu de misericórdia”, porque vivido na busca sincera do bem do irmão necessitado.
Na mesma linha, também outras instituições e outras leis governavam a vida do povo de Deus, para que se pudesse experimentar a misericórdia do Senhor através daquelas dos homens. Naquelas normas encontramos indicações válidas também hoje, que fazem refletir. Por exemplo, a lei bíblica prescrevia o pagamento do “dízimo” que era destinado aos Levíticos, encarregados de culto, os quais eram sem terra, e aos pobres, aos órfãos, às viúvas (cfr Dt 14, 22-29). Previa-se, isso é, que a décima parte da colheita, ou do proveniente de outras atividades, fosse dada àqueles que eram sem proteção e em estado de necessidade, de modo a favorecer condições de relativa igualdade dentro de um povo em que todos deviam se comportar como irmãos.
Havia também uma lei referente às “primícias”. O que é isso? A primeira parte da colheita, a parte mais preciosa, devia ser partilhada com os Levíticos e os estrangeiros (cfr Dt 18, 4-5; 26, 1-11), que não possuíam campos, de forma que também para eles a terra fosse fonte de alimento e de vida. “A terra é minha e vós sois junto a mim como estrangeiros e hóspedes”, diz o Senhor (Lv 25, 23). Somos todos hóspedes do Senhor, à espera da pátria celeste (cfr Heb 11, 13-16; 1 Ped 2, 11), chamados a tornar habitável e humano o mundo que nos acolhe. E quantas “primícias” quem é mais afortunado poderia dar a quem está em dificuldade! Quantas primícias! Primícias não somente dos frutos dos campos, mas de todo outro produto do trabalho, do salário, das economias, de tantas coisas que se possui e que às vezes de desperdiça. Isso acontece também hoje. Na Esmolaria apostólica, chegam tantas cartas com um pouco de dinheiro: “Essa é uma parte do meu salário para ajudar os outros”. E isso é belo: ajudar os outros, as instituições de caridade, os hospitais, as casas de repouso… dar também aos estrangeiros, aqueles que são estrangeiros e estão de passagem. Jesus esteve de passagem no Egito.
E justamente pensando nisso, a Sagrada Escritura exorta com insistência a responder generosamente também aos pedidos de empréstimos, sem fazer cálculos mesquinhos e sem pretender interesses impossíveis: “Se teu irmão se tornar pobre junto de ti, e as suas mãos se enfraquecerem, sustentá-lo-ás, mesmo que se trate de um estrangeiro ou de um hóspede, a fim de que ele viva contigo. Não receberás dele juros nem ganho; mas temerás o teu Deus, para que o teu irmão viva contigo. Não lhe emprestarás com juros o teu dinheiro, e não lhe darás os teus víveres por amor ao lucro” (Lv 25, 35-37). Este ensinamento é sempre atual. Quantas famílias estão no caminho, vítimas da usura! Por favor, rezemos para que neste jubileu o Senhor tire do coração de todos nós essa vontade de ter mais, a usura. Que se volte a ser generosos, grandes. Quantas situações de usura somos obrigados a ver e quanto sofrimento e angústia levam às famílias! E tantas vezes, no desespero, quantos homens terminam no suicídio porque não têm a esperança, não têm a mão estendida que os ajude; somente a mão que vem para fazê-lo pagar os interesses. A usura é um grave pecado, é um pecado que grita diante de Deus. O Senhor, em vez disso, prometeu a sua benção a quem abre a mão para dar generosamente (cfr Dt 15, 10). Ele te dará o dobro, talvez não em dinheiro, mas em tantas outras coisas, mas o Senhor te dará sempre o dobro.
Queridos irmãos e irmãs, a mensagem bíblica é muito clara: abrir-se com coragem à partilha, e isso é misericórdia! E se nós queremos misericórdia de Deus comecemos a fazê-la nós. É isso: comecemos a fazê-la nós, entre povos, entre continentes. Contribuir para realizar uma terra sem pobres quer dizer construir sociedade sem discriminações, baseada na solidariedade que leva a partilhar quanto se possui, em uma partilha dos recursos fundada na fraternidade e na justiça. Obrigado.
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