“Vamos precisar de ajuda”, diz Bispo de Pemba face à ameaça da fome, do terrorismo e, agora, do Coronavírus

Depois dos ataques no norte de Moçambique às vilas de Mocímboa da Praia e de Quissanga, nos dias 23 e 25 de Março, acentuou-se a fuga das populações que temem novas incursões dos grupos armados. A situação é crítica. Centenas de pessoas procuram abrigo em Pemba, a  cidade capital da província de Cabo Delgado. Segundo a imprensa local, Pemba está “abarrotada de deslocados”.

D. Luiz Fernando Lisboa, em declarações à Fundação AIS no final da semana passada, fala de pessoas em fuga também para outras cidades, como Nampula. “São pessoas que estão a fugir de uma situação de insegurança total. Ninguém sabe o que vai acontecer. Por isso, estão a fugir.”

Os ataques àquelas duas vilas, no espaço de apenas 48 horas, foram reivindicados pelo Daesh, o auto-proclamado Estado Islâmico. Homens fortemente armados exibindo a bandeira negra dos grupos jihadistas ocuparam as duas vilas durante horas quase sem resistência. As forças de segurança, da polícia ou exército, sem capacidade de ripostar, abandonaram as povoações.

Os ataques têm flagelado esta zona norte de Moçambique, rica em gás natural, desde o final de 2017. É difícil saber o número de pessoas que perderam a vida em consequência desses ataques. A Igreja Católica fala em pelo menos 500 mortos, mas há quem arrisque um número maior.

Uma das consequências directas desta violência por vezes com contornos brutais – aldeias reduzidas a cinza e pessoas, normalmente simples aldeões, decapitados num cenário de horror – é a fuga das populações.

O Bispo de Pemba  avança à Fundação AIS um número gigantesco: 200 mil deslocados. A situação é dramática do ponto de vista humanitário. A Igreja tem tentado nestes dias secar as lágrimas de um povo que perdeu tudo e que passa já fome. “Há situações de fome desde há muito tempo”, esclarece o bispo.

Fome por causa dos ataques que levaram ao abandono dos campos, as “machambas”, situação que se vai agravar nos próximos tempos também por causa da pandemia do coronavírus.

Com casos já declarados, há que preparar o atendimento das populações numa terra onde falta quase tudo. Cabo Delgado é talvez a região mais pobre de Moçambique que é considerado, pelas Nações Unidas, um dos 10 países mais pobres do mundo. Num cenário assim, uma epidemia pode ser catastrófica.

“A Igreja está muito preocupada. Estamos a tentar ajudar na área da saúde no sentido de encontrar lugares que possam ser preparados para se atender a população”, explica o prelado não escondendo que a epidemia pode crescer para números inquietantes. “Estamos numa situação muito preocupante”. Sem querer “alarmar, mas com os pés bem no chão” o Bispo reconhece que esta vai ser uma batalha muito difícil: “Nós vamos precisar mesmo de muita ajuda.”

Encurralados pela fome, terrorismo e agora a pandemia, os moçambicanos que vivem na província de Cabo Delgado estão numa situação muito delicada. D. Luiz Fernando Lisboa sabe que vai ser muito difícil ajudar as populações enquanto persistir a ameaça dos grupos armados.

“Eu gostaria de deixar claro que o objectivo da Igreja não é acusar ninguém, não é colocar mais lenha na fogueira. Não. A única preocupação da Igreja é o sofrimento do povo”, diz o bispo com o inconfundível sotaque de quem nasceu no Brasil. “Só isso.”

Mas isso não é pouco. Escuta-se o bispo e percebe-se que o tema incomoda. É extremamente sensível e perigoso.

“A nossa única preocupação é com o povo, que já é tão pobre, que está a sofrer, que está a ver queimadas as suas casas, os seus bens, que tem de sair das suas aldeias onde está a sua história, os seus antepassados, os seus cemitérios…” Escuta-se D. Luiz Fernando Lisboa e percebe-se a revolta nas palavras. “Isto não é justo para com essa população tão pobre.”

Que fazer então? “É preciso que haja uma concertação, um diálogo, um entendimento, e que isto tenha um fim. O objectivo da Igreja sempre foi esse. Não é o de atacar quem quer que seja mas defender a vida da população. E nós precisamos de ajuda. A quem nos ouve ou lê e que sabe da nossa situação, nós apelamos a que, de alguma forma, nos ajudem. Ou rezando por nós ou ajudando com algum recurso para que possamos ajudar quem precisa.”

Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal