Por que Jesus precisou se tornar humano para nos salvar?

Tendo em conta que salientamos a vida de Jesus do ponto de vista histórico, passa-se, agora, ao ponto de vista teológico a partir de São Tomás de Aquino, visto que é considerado pela Igreja o grande teólogo que soube fundamentar, de maneira peculiar, a teologia e a filosofia católica.

Canção Nova

Nesta parte em que será abordada a vida de Jesus Cristo a partir de sua principal obra – A Suma Teológica –, convém partir do pressuposto que o tempo e o lugar em que Jesus nasceu e viveu possui um sentido teológico. São Tomás salienta que Cristo escolheu uma pátria pobre, bem como uma Mãe pobre, visto que Deus escolheu o que é fraco no mundo para confundir o que é forte; por conseguinte, ressalta que Jesus quis nascer na época em que a Palestina era dominada pelo Império Romano com uma finalidade ulterior, explicada nos seguintes termos:

“Para manifestar mais o seu poder, estabeleceu em Roma, que era a capital do universo, a cabeça de sua Igreja, em sinal de perfeita vitória e para que dali se estendesse a fé ao mundo inteiro, segundo as palavras de Isaías: ‘abateu a cidade inacessível; pisá-la-ão os pés dos pobres, isto é, de Cristo, e os passos dos desvalidos’, isto é, dos Apóstolos Pedro e Paulo.” (AQUINO, 2009, v.VIII, p. 520).

Jesus em Sua sabedoria quis se tornar humano para se aproximar de nós
Jesus Cristo assumiu a natureza humana para purificá-la do pecado original, tomando a carne derivada de Adão para curá-la. Veio para reconduzir o homem da escravidão à liberdade, sendo que, para tal libertação acontecer, submeteu-se à escravidão. Como judeu, quis ser circuncidado e submeteu-se aos preceitos da lei por quatro motivos, evidenciados pelo Aquinate:

“Primeiro para assim aprovar a lei antiga. Segundo, a fim de, observando-a, consumá-la em si mesmo e terminá-la, mostrando como ela a si se ordenava. Terceiro, para não dar aos judeus ocasião de caluniá-lo. Quarto, para livrar os homens da escravidão da lei, segundo o Apóstolo: Enviou Deus seu Filho, feito sujeito à lei, a fim de remir aqueles que estavam debaixo da lei.” (AQUINO, 2009, v. VIII, p. 590).

Sendo Deus, por isso isento de pecado, ao assumir a natureza humana, quis ser batizado por João Batista, mesmo sem precisar, para que a humanidade que precisava seguisse o Seu exemplo. E assim imergiu na água o “velho Adão”. Deixou-se tentar pelo demônio no deserto para dar o exemplo de como vencer as tentações e pela sua humanidade manifestou a sua divindade, convivendo com os homens, pregando e fazendo milagres. Pregou primeiro aos judeus por serem mais próximos de Deus pela fé monoteísta, para, por meio deles, transmitir a Sua doutrina aos gentios. Entretanto, o Seu ministério não se limitou aos judeus, mas, como expressão da universalidade de Sua Igreja, curou alguns pagãos, como a filha da Cananeia e o servo do centurião romano. Também se retirava para se entregar à oração, ensinando a nada fazer por ostentação e a evitar a agitação, principalmente quando estão em causa as coisas necessárias. Toda a Sua atividade foi para a instrução dos homens, o que afligia as autoridades judaicas a ponto de lhe causar a morte. Segundo São Tomás, tais autoridades enxergavam os sinais evidentes de Sua divindade, porém, por ódio e inveja, deturpavam as Suas palavras e não quiseram acreditar quando Ele se confessava o Filho de Deus.

Do ventre de Maria à Cruz
No entanto, Jesus quis se entregar em suas mãos sofrendo a Paixão e Morte ignominiosa com uma finalidade, que pode ser compreendida a partir da razão Tomasiana, também como exemplo de virtude. Entretanto, considerando que há pessoas que, apesar de não temerem a morte, têm aversão a certos tipos de morte, quis morrer na cruz de forma abominável, para que tais pessoas não temessem nenhum tipo de morte. “Daí, ter dito o Filósofo que o homem de virtude tanto mais estima sua vida quanto mais sabe ser ela melhor e, contudo, a expõe por causa da virtude. De modo semelhante, Cristo, por causa do amor, expôs sua vida muita estimada”. (AQUINO, 2009, v. VIII, p. 663).

Ao observar que os estoicos afirmavam que nenhuma tristeza teria utilidade, por não ter harmonia com a razão, e por este motivo deveria ser evitada pelo sábio, São Tomás refuta-os ao afirmar que a tristeza faz bem quando procede do amor.

Verifica-se que a Paixão de Cristo partiu de Sua livre vontade. Como assumiu a forma de servo, em razão do seu elevado amor e máxima humildade, escolheu um tipo de morte pavorosa, sofrendo todos os tipos de dores, não recusando morrer num lugar célebre como Jerusalém, justificando, dessa forma, porque quis nascer num lugar simples como Belém. Ao sofrer, permitiu que cada uma de suas potências realizasse suas funções próprias na crudelíssima morte de cruz. No tato, sofreu as dores pungentes da flagelação, da coroação de espinhos, da perfuração dos pregos nas mãos e nos pés, tapas e cuspes; no paladar ao lhe darem fel e vinagre; no olfato, visto que o calvário era um lugar malcheiroso, devido aos cadáveres que ali eram mortos; na sua audição, devido ao barulho dos que o ultrajavam e caçoavam; e na visão, ao ver o sofrimento de Sua Mãe e do discípulo que amava.

Observa-se que as dores corporais e interiores de Cristo foram as maiores presentes na vida humana. Mas, além do sofrimento humano de Cristo durante a Sua Paixão, é preciso ressaltar a sua intenção salvífica nesta atitude. Eis porque Santo Tomás escreveu:

“Deve-se dizer que Cristo sofreu não somente pela perda de sua vida corporal, mas também pelos pecados de todos os homens. Dor essa que nele excedeu todas as dores de qualquer pessoa contrita, seja porque proveniente de uma sabedoria e amor maiores, que fazem aumentar a dor da contrição, seja também porque foi uma dor por todos os pecados ao mesmo tempo.” (AQUINO, 2009, v. VIII, p. 663).

A fé escolástica Tomasiana salienta que a causa da dor de Cristo foi devida, primeiramente, a todos os pecados da humanidade, pelos quais, ao sofrer, dava satisfação. Ou seja, a Sua Paixão se refere à salvação do gênero humano, tendo em vista que foi por Ele desejada e vivida como meio de conceder a salvação mais digna do homem. Por conseguinte, evidencia-se que tal sofrimento foi preciso devido à necessidade de fim, e pode ser entendido essencialmente a partir de três modalidades, conforme o mesmo Tomás escreveu:

“Primeiro, quanto a nós, que por sua paixão fomos libertados, como diz o Evangelho de João: ‘É preciso que o Filho do Homem seja levantado, a fim de que todo aquele que nele crê não pereça e tenha a vida eterna’. Segundo, quanto ao próprio Cristo, que mereceu a glória da exaltação pelo abatimento da paixão. É o que diz o Evangelho de Lucas a propósito: ‘não era preciso que o Cristo sofresse isso para entrar em sua glória?’.  Terceiro, quanto a Deus, que estabelecera a Paixão de Cristo, anunciada nas Escrituras e prefigurada nas observâncias do Antigo Testamento. E o que diz o Evangelho de Lucas: ‘eis as palavras que eu vos dirigi quando ainda estava convosco: é preciso que se cumpra tudo o que foi escrito sobre mim na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’ e ‘porque foi escrito: convinha que o Cristo sofresse e ressuscitasse dos mortos’.” (AQUINO, 2009, v. VIII, p. 648).

Por Sua Paixão fomos libertos
Assim sendo, verifica-se que, quanto ao homem, Cristo o redimiu do pecado; quanto a Cristo, foi glorificado plenamente, entregando-se como Homem para redimir o homem; quanto a Deus, responde à exigência inseparável de sua justiça e misericórdia. Entretanto, deixa claro que há mais misericórdia da parte de Deus em satisfazer a Si mesmo fazendo-se homem, do que anular os pecados sem satisfação.

A partir do ponto de vista da fé Tomasiana, compreende-se, que a Paixão de Cristo, além de libertar o homem do pecado, trouxe muitas consequências apropriadas à sua salvação. Por meio desse acontecimento, este conhece o quanto é amado por Deus, sendo impulsionado a amá-Lo, visto que, no amor está a perfeição da salvação humana. Com o exemplo das virtudes demonstradas em Sua Paixão, tais como a obediência, a humildade, a constância, a justiça e demais virtudes necessárias para sua salvação, o homem é chamado a imitá-lo. Em suma, compreende-se que Jesus concedeu-lhe a graça santificante e a glória da bem-aventurança, mostrando-lhe que deve resistir ao pecado.

Por Sua Paixão Jesus também concedeu ao homem uma dignidade elevada, sendo que havia sido vencido pelo diabo, que agora é vencido pelo Homem. Como o homem havia merecido a morte, agora o Homem vence a morte ao morrer. Conclui-se que Cristo não tomou o lugar do homem no triunfo sobre o pecado, mas o associou a Si, proporcionando aos que salva colaborar na Sua própria salvação e na dos outros. Assim sendo, conclui-se que a Sua Paixão é atribuída ao supósito da natureza divina que é impassível, em razão da natureza humana passível que foi assumida.

Áurea Maria,
Comunidade Canção Nova