Homilia do Domingo de Páscoa do Cardeal Patriarca de Lisboa: Vemos e acreditamos

Vemos e acreditamos

Chamados por Maria Madalena, dois discípulos correram ao sepulcro e encontraram-no vazio. De um deles, o discípulo predileto, disse o Evangelho que «viu e acreditou».

Não viu o cadáver que era de esperar, mas entreviu o que inesperadamente acontecera. Restos mortais transformados numa infinita vida. Nenhum espaço, nenhum tempo a podia já conter e limitar.

Por isso aqui estamos hoje, nesta catedral tão vazia de presenças físicas e tão repleta de Cristo, vencedor da morte. Nenhuma passagem bíblica escutada, nenhum trecho do Evangelho deste dia, se ficam por um eco do passado. Daquele sepulcro vazio jorrou uma vida inextinguível.

Os inúmeros vazios deste mundo – estes mesmos do tempo que vivemos – são preenchidos pelo Ressuscitado, aqui e em qualquer lugar que seja. E nós, como o discípulo predileto, aí mesmo lhe entrevemos a presença.

O círio que acendemos na Vigília brilhou na noite escura que o cercava. Modo de dizer que a fé, um dom divino, nos abriu os olhos para Cristo, em múltiplos sinais da sua luz. Sinais em que o anúncio pascal resplende agora, espelhado nos olhos de quem crê. Uma grande poetisa já o disse, neste belo verso tão certeiro: «Só o olhar daqueles que escolheste nos dá o teu sinal entre os fantasmas» (Sophia).

Refulgiu certamente nos olhos madrugadores da Madalena. Refulgiu nos do discípulo que «viu e acreditou». Depois nos olhos dos que O viram entre eles, sem precisar que lhe abrissem a porta donde estavam. E nos olhos de incontáveis testemunhas, refletindo a Páscoa que já vivem.

A ressurreição de Cristo tudo garante e impele e a própria humanidade o reconhece, porque a notícia pascal lhe alargou o horizonte. Sim, atinge muito mais e bem mais longe, do que o ciclo anual da natureza, em que a Primavera sucede à invernia, em mera repetição do quase igual. Beleza tem alguma, mas não chega, porque o coração humano pede mais. Pede aquilo que a ressurreição de Cristo já lhe deu, como definitivo acesso a outro além. Precisamente àquele sol que não declina, ao perfeito Domingo sem ocaso.

Preenchendo a humanidade que salvou, o Ressuscitado refulge nestes dias no olhar e nos gestos de muitíssimos que em todos os domínios da vida eclesial ou pública, da saúde ao trabalho e a tantos serviços indispensáveis, protegem vidas no seu arco natural e face à pandemia que sofremos.

Quando os ministros do culto hoje celebram, quase tão sós como naquele sepulcro esvaziado, é sempre a Ressureição que se assinala, porque isso mesmo são os sacramentos, para a vida do mundo. Quando a oração redobra nas famílias, é também de Ressurreição que assim se trata, pois tudo é vida garantida, quando sobe com Cristo para o Pai.

Quando a solidariedade de facto se demonstra, é Cristo que aí mesmo se depara. Assim prometeu e assim cumpre. Referindo-se aos que não desamparam os peregrinos (também os emigrantes de hoje em dia), os que não tenham agasalho, saúde ou liberdade, declarou: «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes». A Páscoa de Cristo é uma realidade total e englobante e experimenta-se na caridade praticada.

Os sinos que nesta manhã ressoam cantam todo o bem que hoje é feito, sinal de ressurreição em Jesus Cristo. Desejar Santa Páscoa é impelir ao anúncio e à missão, porque a Páscoa acontece no que faz, e os primeiros que o souberam não pararam.

O sepulcro esvaziou-se, porque a vida que encerrava lhe irrompeu. Não como vírus nocivo, mas como amor que vence todo o mal. Assim foi então e continua, no vazio agora preenchido por tudo o que se faça em bom apoio. Vencendo solidões, prevenindo e curando a pandemia, mantendo a instrução e o trabalho e em tudo o mais que urgente for.

– É um enorme compromisso celebrar a Páscoa, no tempo a recriar por todos nós!

A verdade é esta e está patente, como aquela grande pedra destapada, porque a vida não coube no sepulcro. Saibamos entrevê-la e anunciá-la, como o discípulo que «viu e acreditou». Ainda ficaremos mais convictos, mais seguros e solidários de certeza, em Páscoa realmente partilhada.

Sé de Lisboa, 12 de abril de 2020

+ Manuel, Cardeal-Patriarca