Caros Peregrinos
A festa é a convergência e a celebração comunitária em alegria que dá sentido à vida humana. Sem convívio, sem festa, a vida humana torna-se difícil. Para muitas pessoas, a Igreja é reconhecida pela dimensão da festa: festas nas etapas da vida cristã ou ao ritmo do calendário litúrgico.
Nos últimos meses, por razões de segurança, temos estado sujeitos a limitações no que se refere a convívios e festas. No entanto, acentuou-se mais viva consciência de que grande parte das festas populares têm origem na Igreja e, por isso, nalgumas comunidades resolveram ir às origens e celebrar a festa promovendo os sinais essenciais: uma eucaristia bem preparada, a imagem do padroeiro evidenciada, uma mensagem e uma lembrança partilhada para registar a festa celebrada em tempos de pandemia. E com isto, ressaltou o essencial: a alegria da Fé e da vida. Deus convida-nos para a Festa do seu Reino. O grande sinal deste convite está na vinda de Jesus ao mundo no seio da Virgem Maria, a sua vida, a sua entrega e a sua ressurreição. A Igreja nasce como o grande sinal deste convite e da própria Festa do Reino de Cristo.
Evangelho que escutámos (cf. Jo 2,1-11) diz-nos que Jesus e os seus discípulos foram convidados para uma festa de casamento em Caná da Galileia. E estava lá a Mãe de Jesus. O evangelista São João é o único que regista este episódio, onde revela uma consciência da missão da Mãe de Jesus, junto dos discípulos e do povo de Deus. Também é o único a registar o lugar da Virgem Mãe junto à Cruz, quando Jesus lhe atribui a missão de ser Mãe do discípulo amado, isto é, de todos os discípulos.
O evangelista não informa quem eram os noivos. Assim, podemos imaginar todos e cada um dos que celebraram o seu matrimónio, onde a Virgem Mãe repara e se preocupa quando está a faltar a alegria. Mas, recordamos que a imagem do casamento é bíblica para expressar o amor de Deus pelo seu povo, imagem que Jesus um dia assumiu identificando-se como o noivo messiânico, junto do qual tem de haver festa e alegria. A noiva é a Igreja, Povo de Deus, de que fazemos parte, onde também se encontra Nossa Senhora em proximidade dos discípulos.
Como em 13 de outubro de 1996, neste Santuário, o então Cardeal Ratzinger, depois Papa Bento XVI, comentou: “podemos compreender a missão de Maria, que se torna bem visível no relato das Bodas de Caná. Maria não pede ao Senhor um milagre. De facto, ainda não era claro se o fazer milagres pertencia à Sua missão. Ela simplesmente apresenta ao Senhor a dificuldade, na qual os amigos se encontravam. Maria coloca tudo nas mãos de Jesus e abandona-se a Ele e ao Seu operar. Nem sequer a aparente recusa a desanima. A sua confiança em Jesus e a unidade com a vontade do seu Filho permanecem ilesas”.
Caros peregrinos, a nossa vida está marcada pela necessidade da Festa, tendo o vinho novo em qualidade e abundância, o significado da alegria da fé que Jesus quer na vida humana. São João conclui: “Jesus deu início aos seus milagres. Manifestou a sua glória e os discípulos acreditaram n’Ele” (Jo 2,11). Esta conclusão do Evangelho indica não um fim, mas o começo de uma vida na alegria da Fé.
Mantendo a mensagem da festa nupcial, aquele que é o Noivo morreu na cruz, por fidelidade à vontade do Pai e por paixão pela sua noiva. Sejamos extensivos, a sua noiva que é a multidão de homens e mulheres que eram como ovelhas sem pastor, são hoje os atuais milhões de pobres em todo o mundo, os milhões de refugiados que têm de fugir como Jesus para terem vida, os migrantes que, por desconhecimento das formas legais de emigrar, são explorados por contrabandistas e traficantes, os milhões de pessoas deslocadas forçadamente dentro do seu próprio país, por falta de segurança. Todos estes têm direito à festa nupcial.
Também hoje existe quem assuma o lugar de Nossa Senhora nas Bodas de Caná, verificando que, por faltarem bens essenciais, não há alegria na vida de muitas pessoas. “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5), é a Palavra de orientação. E o que disse Jesus aos discípulos, noutro dia, perante uma multidão de pessoas com fome? “Dailhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Porém, Jesus não se afasta do problema: leva os discípulos a assumirem, como seu, o problema da multidão e ensina-lhes que a solução dos pobres com fome se resolve pela partilha.
Caros peregrinos, como ouvimos de São Paulo, “Cristo Jesus morreu e, mais ainda, ressuscitou, está à direita de Deus e intercede por nós” (Rm 8,34). Nada, nem ninguém, “poderá separar-nos do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,39). É este amor indestrutível que celebramos na Eucaristia, o grande sacramento da Igreja que suscita e alimenta o zelo apostólico e a prática da caridade.
“Apareceu no céu um sinal grandioso: uma mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça”. A mulher revestida de sol, que nos refere o Livro do Apocalipse, é interpretada como a figura de Nossa Senhora ou a figura da Igreja.
Numa ou noutra interpretação, importa sublinhar que a mulher “está revestida de sol” e, para nós, o sol é Cristo Ressuscitado. Será este o sol, a luz que brilhava em Nossa Senhora quando aqui apareceu aos Pastorinhos, luz que ardia no peito dos pastorinhos como no coração dos discípulos de Emaús. É esta Luz que vence as trevas e que, unidos a Nossa Senhora, somos convidados a seguir e a servir.
Nossa Senhora, “Conforto dos migrantes” (“Solacium migrantium”), como recentemente a designou o Papa Francisco, nos acompanhe e interceda por todos os que buscam um futuro de vida com maior Luz.
D. José Traquina
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