O amigo é como um mensageiro de Deus na nossa vida

Por que compartilhar a vida com amigos é tão importante?


Vivemos tempos difíceis, em que as pessoas se resguardam para se proteger. Protegem, primeiramente, a própria integridade física, a vida. Contudo, inconscientemente, entendemos a vida como um conjunto de fatores que apontam para a plenitude, e não somente para as necessidades básicas para a nossa sobrevivência. Em um mundo onde a vida não é valorizada, da mesma forma todo o conjunto, que significa vida plena – os valores, a ética e a moral –, vai se perdendo.

Tentamos, então, cuidar do nosso corpo, mas também do nosso interior, nosso núcleo íntimo, onde se formam esses nossos valores e princípios, e, consequentemente, nossas emoções. Temos medo de que as pessoas machuquem nossas emoções, mas não aprendemos, desde crianças, a lidar com as pequenas decepções, para chegarmos à idade adulta preparados para as grandes dificuldades da vida. E de que forma a maioria de nós aprende a trabalhar as emoções?

Nossa reação é o fechamento, e criamos reservas para com os outros. Em um primeiro momento, até vamos em direção às outras pessoas com o coração aberto, mas quando vem uma decepção, ela nos causa um choque, e nos afastamos. Dessa forma, vamos, cada vez mais, fechando-nos em nossos afetos, nos nossos contatos com os outros. Vivemos tempos em que é difícil ter uma amizadeverdadeira, e o fechamento acontece em nós e também no outro. As pessoas estão desistindo de amar por causa de possíveis decepções.

A verdadeira paz
O amor, no entanto, é um dom tão grandioso, que não cabe somente dentro de nós: ele transborda. Basta notar que, quando somos desapontados e decidimos reter o amor, não fazendo mais o bem, nem sendo carinhosos e fraternos com a pessoa que nos frustrou, não experimentamos a paz. Falo, aqui, da verdadeira paz, não da falsa paz, que é talvez um orgulho ou desejo de mostrar dignidade ou a sensação de que temos o poder de fazer justiça, “a nossa justiça”, e até um “belo pretexto” para permanecermos naquela postura. Não! Isso tudo até pode colocar um “sorrisinho” em nosso rosto, mas está longe de ser a paz verdadeira. Alguma coisa dentro de nós, de certa forma, ainda vai nos abalar: é a raiva, a indignação, que não cessam quando não amamos.

Eu falo da paz que nos deixa felizes, que é profunda, pois traz um sentimento de nobreza, a consciência de que a capacidade de ser bom que há dentro de nós é maior do que a situação sofrida. Essa paz vem acompanhada de tranquilidade, e é até capaz de fazer descansar nosso coração e nosso físico. E por quê? Porque amamos.

Aos nossos olhos, racionalmente, sabemos que até saímos no prejuízo, mas o amor preencheu todo o vazio do nosso coração, inclusive a sensação de perda, porque amamos, perdoamos, fazemos o bem sem esperar reconhecimento, amamos aquele que nos fez mal.

A necessidade de nos relacionarmos
O dom do amor é maior do que nós mesmos, e brota do nosso interior mesmo que não o desejemos. Esse dom é expresso na necessidade de abrir-se a vínculos afetivos, permanece em nós, mesmo que sejamos, inúmeras vezes, decepcionados. Nossa maior dor é amar, e amar é sair de si. Não adianta nos escondermos, não adianta nos fecharmos a relacionamentos. O amor sempre vai bater à porta do nosso coração, querendo passagem, querendo transbordar em nós. E não seremos felizes se não nos abrirmos para amar as pessoas.

Todos nós precisamos de amigos. Todos nós temos, dentro de nós, em nossa natureza, a necessidade de nos relacionarmos. Deus “quer que todos nós tenhamos necessidade uns dos outros” (CIC 1946).

“A pessoa humana tem a necessidade de vida social. Esta não constitui para ela algo acrescentado, mas é uma exigência de sua natureza. Mediante o intercâmbio com os outros, a reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, o homem desenvolve as próprias virtualidades; responde, assim, à sua vocação” (CIC 1879)

Ninguém é uma ilha, precisamos uns dos outros, precisamos de contato com as pessoas.

Contato social
Perceba como o Catecismo da nossa Igreja trata da importância de termos convívio com outras pessoas. Interessante que em um mundo cada vez mais tecnológico em muitas coisas, as máquinas, os meios, as facilidades não substituem os humanos. Nem estou me referindo à exemplos em que o acesso ou a operação de um sistema seja complicado para lidarmos. Mas, às vezes, preferimos ser atendidos por uma pessoa, simplesmente, porque é um outro ser humano. Quanta gente, ao ligar para um serviço de atendimento, não reclama, porque uma secretária eletrônica faz uma triagem antes de nos direcionar ao atendente!

Quando não é gente que está do outro lado, parece que tudo é feito com frieza e objetividade demais. Parece que, ao lidarmos só com máquinas, a empresa ou instituição que está do outro lado só quer nosso dinheiro, ter nosso benefício, sem ao menos se importar conosco, com o que realmente precisamos.

Com isso, estamos somente argumentando que é preciso ter contato social, mas, além disso, precisamos ter pessoas que lhes sejam mais próximas, mais íntimas que o comum do dia a dia; não que apenas estejam no mesmo ambiente que você ou atendam às suas necessidades. Precisamos nos relacionar com pessoas que gostem de nós, que nos amem de verdade.

Quem nunca sentiu falta de uma amigo?
Às vezes, mesmo estando em meio a muita gente, entre colegas e conhecidos, “bate” um sentimento de solidão, e mesmo estando nesse ambiente, que deveria nos trazer alegria, percebemos a necessidade de reconhecer alguém com quem possamos simplesmente trocar um olhar, para que ele ou ela saiba o que se passa em nosso coração. O amigo é essa pessoa; mesmo se estiverem só vocês dois, você sentirá que está sendo visto, percebido, compreendido. Você saberá que não está sozinho.

Um grande anseio, que todo ser humano tem, desde criancinha, é o de ser amado. Uma criança só se desenvolve bem em sua dimensão emocional, só será um adulto equilibrado em seus afetos, se, desde os primeiros dias de vida, sentir-se amada. E penso que outro anseio inerente a todo ser humano é o de sentir-se amado, mesmo quando não tem nada de bom a oferecer.

Temos necessidade de ser amados quando o nosso pior, a nossa fraqueza vem à tona, pois aí vem a impressão mais profunda do nosso interior, de que somos amados simplesmente por sermos nós mesmos. O amigo é aquele que o acolhe, que o aceita em suas carências, que, mesmo não sendo beneficiado, quer ficar ao seu lado e, mesmo que tenha trabalho com você, decide ser seu companheiro, sem medir esforços para o apoiar.

Por que você precisa ter um amigo?
Amigo não é aquele que “passa a mão em sua cabeça” em seu erro, pelo contrário, é aquele que o ajuda a reconhecer que você não está certo, que o corrige quando é preciso, que o ajuda a ver a realidade, um outro ângulo, algo positivo que possa ser aproveitado em alguma situação ou ainda uma outra direção na qual caminhar.

Você precisa ter um amigo, precisa contar com alguém que o aceite sem suas máscaras, sem ter que parecer aquela pessoa altamente eficiente no trabalho, que vive para dar resultados, forte e inabalável afetivamente em todos os momentos, até em sua casa. Aquela pessoa que só tem alegria junto aos colegas. Você não aguentará viver esse personagem o tempo todo.

Você precisa ter um amigo para poder ser você mesmo, para sentir-se bem em dizer as coisas mais profundas do seu coração, seus sonhos e medos, reconhecer suas qualidades, mas também admitir suas fraquezas. Você precisa ter um amigo para ter a alegria de saber que existe alguém que lhe seja um porto seguro. Gente como você, não um profissional que traga diagnósticos e soluções para seus problemas – essa pessoa também é importante, mas não ser uma amigo, pois de alguma forma, para ser amigo, você precisa senti-lo no mesmo nível que você. Uma pessoa também com falhas, pois aí está a felicidade desse tipo de relacionamento, da amizade verdadeira, na qual não existe frieza. Seu amigo pode não ter uma solução para lhe propor, mas o escutará, o acolherá com prazer.

Hoje em dia, o mundo está cada vez mais necessitado de amizades desinteressadas, pois as pessoas desconfiam de qualquer tipo de relacionamento. Você precisa ter um amigo para ser sinal dessa bênção que Deus derrama sobre os homens: relacionamentos verdadeiro, pessoas que se amam sem obter vantagens umas das outras.

Trecho extraído do livro “Quem tem um amigo tem um anjo”, de Sandro Arquejada, disponível na Livraria Canção Nova em Fátima.

Sandro Arquejada
Missionário da Comunidade Canção Nova, Sandro Arquejada é formado em Administração de Empresas pela Faculdade Salesiana de Lins (SP). Atualmente, trabalha na Editora Canção Nova. Autor de livros pela Editora Canção Nova, ele já publicou três obras: “Maria, humana como nós”; “As cinco fases do namoro”; e “Terço dos Homens e a grande missão masculina”.