197ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa: Sínodo da Amazónia, JMJ Lisboa 2022, Canonização de S. Bartolomeu dos Mártires e Eutanásia foram alguns dos assuntos abordados por D. Manuel Clemente no discurso de abertura

Discurso de abertura da 197ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa

Canção Nova

Saúdo cordialmente os Senhores Arcebispos e Bispos e demais participantes na nossa Assembleia Plenária. Saúdo especialmente o Senhor Núncio Apostólico, D. Ivo Scapolo, que o Papa Francisco nos enviou recentemente como seu representante. Desejo-lhe as maiores felicidades no desempenho da sua missão junto do Estado e da Igreja em Portugal.

Saudação especial envio para Roma, ao novo Cardeal, D. José Tolentino, tão presente junto de nós pelo excelente trabalho que aqui realizou e pelo que agora prossegue na Santa Sé, ligando com especial oportunidade evangelização e cultura.

Boas vindas endereço ao Senhor D. Vitorino Soares, novo Bispo Auxiliar do Porto, cujas comprovadas qualidades tanto beneficiarão a Diocese e esta Conferência Episcopal.

No passado mês decorreu em Roma a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Panamazónica. Constituiu um contributo eclesial relevante para a concretização duma “ecologia integral”, tão ameaçada naquela grande região, como noutras latitudes. Ecologia integral significa cuidado pela criação na sua globalidade, onde a natureza exterior e a humana são respeitadas e promovidas como um todo, sem reduções nem explorações ilegítimas. A presença da Igreja naquela realidade sociocultural específica foi também objeto de apreciação e propostas, a que o Santo Padre dará seguimento oportuno.

A nossa agenda destes dias tem alguns tópicos principais, que a seguir destaco. Primeiramente, a partilha do trabalho realizado e a realizar pelas Comissões Episcopais, que, com o Conselho Permanente e o Secretariado Geral, constituem o sujeito ativo e constante do serviço da CEP à Igreja em Portugal. É um trabalho da maior relevância, que garante e apoia, a este nível, com generosidade e competência, muito do que eclesialmente se faz.

Faremos a apreciação final da tradução portuguesa do Missal Romano. Fruto do trabalho da Comissão Episcopal da Liturgia e dos seus colaboradores, formulará a oração litúrgica entre nós e noutros países de língua oficial portuguesa, segundo a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II e o Missal de São Paulo VI, que com tanto acerto retomaram a tradição orante da Igreja, no que tem de mais autêntico e perene.

A Jornada Mundial da Juventude, a desenrolar em Portugal no verão de 2022, volta à agenda da nossa Assembleia, como certamente acontecerá também nas seguintes, dado o relevo que tem para as dioceses portuguesas, enquanto oportunidade e desafio. Oportunidade evangelizadora, como requer o Santo Padre e nós todos com ele. Desafio, pelo que representa em qualidade e quantidade de objetivos a alcançar e de recursos a obter, como nunca aconteceu entre nós e para a multidão juvenil que acorrerá do mundo inteiro. Também para o País e para além dos limites confessionais, será uma boa altura de rejuvenescimento sociocultural.

Aludo ainda a dois acontecimentos recentes: o Ano Missionário, que concluímos em outubro; e a canonização de São Bartolomeu dos Mártires, que ontem celebrámos em Braga.

Na nossa Nota Pastoral “Todos, Tudo e Sempre em Missão”, no 6, escrevemos o seguinte: «Estas dimensões de oração, reflexão e ação propostas pelo Santo Padre, assim como o tema do Dia Mundial das Missões em 2019 – “Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo” – estarão presentes nas várias iniciativas diocesanas ao longo de todo o Ano Missionário». Importa reter o que se fez neste sentido, tanto mais quanto se acentuou para um ano o que se pretende continuamente.

Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco tem impulsionado a conversão missionária das comunidades cristãs, que apenas se mantêm quando crescem nesta dimensão essencial do Evangelho, que é boa notícia a transmitir. A Palavra escutada e os sacramentos celebrados são essencialmente missionários, realizando a comunhão com Deus e com todos. Assim escreveu na exortação Gaudete et Exsultate, no 142: «Partilhar a Palavra e celebrar juntos a Eucaristia torna-nos mais irmãos e vai-nos transformando pouco a pouco em comunidade santa e missionária». Esta afirmação pontifícia pode e deve oferecer-nos um critério constante de avaliação do que fazemos – ou ainda não fazemos suficientemente.

Permito-me retomar, a propósito, o que disse na homilia de 20 de outubro, aqui em Fátima: O desafio cultural da missão é hoje grande, exigindo-nos mais capacidade de escuta e mais disponibilidade dialogante, ouvindo o que nos dizem e dizendo o que nos cumpre. Por vezes o “sair de casa”, em sentido missionário, pode significar virar a esquina e entrar num mundo bem diferente, ali ao lado. Isso mesmo reconheceu há uns anos a exortação apostólica pós-sinodal de São João Paulo II Ecclesia in Europa, no 46: «Com efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente cristãos onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a primeira evangelização. […] Mesmo no “velho continente” existem extensas áreas sociais e culturais onde se torna necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes».

Tal não significa, de modo algum, esquecer ou enfraquecer os horizontes mais distantes da missão. Trata-se, isso sim, de potenciar mutuamente a missão ao perto e a missão ao longe. É consolador verificar como as comunidades onde a conversão missionária está realmente em curso tanto originam ações de missão longínqua como crescem na evangelização dos meios mais próximos.

A canonização de São Bartolomeu dos Mártires relembra-nos uma altíssima figura da evangelização essencial – que, nalguns casos, quase foi também a primeira, face a grandes ignorâncias e contradições de fé e costumes com que se deparou.

A coincidência de estarmos na “Semana dos Seminários” acentua a importância que o ilustre Arcebispo de Braga teve na última sessão do Concílio de Trento (1562-1563), especialmente no que se refere à formação do clero secular, então muito incipiente. Assim dizia no Concílio, segundo o seu biógrafo: «E como é possível que cumpra um prelado em sua diocese o que o Apóstolo encomenda (Predica verbum, argue, obsecra, increpa: 2 Tim, 4) se não tiver pelas paróquias ministros suficientes que o ajudem? […] O que importa é que não seja cura de almas senão quem passar por exame e aprovação de homens de ciência e consciência» (Frei Luís de Sousa, A vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984, p. 210-211).

Regressado a Braga, relata o mesmo biógrafo, «logo fez pôr mãos à obra com tal diligência que este foi o primeiro seminário que em Portugal, e porventura em toda Espanha, se edificou. […] Assim aconteceu que dentro de seis meses houve aposento capaz para sessenta colegiais. E não tardou o Arcebispo em os fazer prover de muitos moços de bom natural escolhidos de todo o arcebispado, que como boas plantas em viçoso jardim criadas à mão de cuidadoso hortelão, foram dando singulares frutos e provendo as igrejas de ministros letrados e virtuosos» (ibidem, p. 325).

Era o século XVI, hoje estamos no XXI. O repto era grande na altura, dada a necessidade já “moderna” de evangelizar com conhecimento de causa e espírito de missão. As dificuldades que São Bartolomeu encontrou foram muitas e de vária ordem. Mas conseguiu no seu tempo o que pretendemos também agora, de modo especial nos nossos Seminários e Escolas Teológicas: pastores à altura da evangelização que nos reclama. O Santo Arcebispo nos acompanhará decerto.

Dedico o último ponto a um assunto sempre presente e que hoje nos merece redobrada atenção, como à sociedade em geral. Refiro-me à defesa e promoção da vida, da conceção à morte natural, em especial em relação à eutanásia.

A nossa Conferência Episcopal já tomou posição, sobretudo na Nota Pastoral Eutanásia: o que está em jogo? Contributos para um diálogo sereno e humanizador. Aí se afirma, além do mais: «A vida humana é o pressuposto de todos os direitos e de todos os bens terrenos. […] O direito à vida é indisponível, como o são outros direitos humanos fundamentais, expressão do valor objetivo da dignidade da pessoa humana. […] Por outro lado, nunca é absolutamente seguro que se respeita a vontade autêntica de uma pessoa que pede a eutanásia. Nunca pode haver a garantia absoluta de que o pedido da eutanásia é verdadeiramente livre, inequívoco e irreversível» (no 5-6). Na verdade, «não se elimina o sofrimento com a morte: com a morte elimina-se a vida da pessoa que sofre. O sofrimento pode ser eliminado ou debelado com os cuidados paliativos, não com a morte» (no 9).

A resposta às situações difíceis só pode e deve ser o desenvolvimento e a generalização desses cuidados, dentro duma sociedade e dum Estado que se tornem também “paliativos”, isto é, envolventes e cuidadores de cada pessoa, em especial das mais debilitadas. Este é o único caminho realmente humano e humanizador que devemos seguir e onde há muito para andar. Tanto mais quanto «não podemos ignorar que, entre nós, uma grande parte dos doentes, especialmente os mais pobres e isolados, não tem acesso aos cuidados paliativos, que são a verdadeira resposta ao seu sofrimento» (no 11).

Isto mesmo disse recentemente o Papa Francisco, em 20 de setembro último, à Federação nacional das ordens dos médicos cirurgiões e dos dentistas italianos: «podemos e devemos rejeitar a tentação – também traduzida por alterações legislativas – de utilizar a medicina para apoiar uma eventual vontade que o doente tenha de morrer, prestando assistência ao suicídio ou causando diretamente a sua morte mediante a eutanásia. São modos apressados de lidar com escolhas que não são, como poderiam parecer, uma expressão de liberdade da pessoa, quando incluem o descarte do paciente como possibilidade, ou falsa compaixão diante do pedido de ser ajudado a antecipar a morte. Como afirma a Nova Carta para os Agentes no campo da saúde: “Não existe o direito de dispor arbitrariamente da própria vida, portanto nenhum médico pode tornar-se guardião executivo de um direito inexistente”» (L’Osservatore Romano, ed. port., 1 de outubro de 2019, p. 12).

Estas posições do magistério católico juntam-se a outras provenientes do campo ecuménico e inter-religioso. Assim se pronunciaram entre nós as várias confissões religiosas aquando do último debate parlamentar sobre o tema. Assim igualmente a Declaração conjunta das religiões monoteístas abramíticas [judeus, cristãos e muçulmanos] sobre as problemáticas do fim da vida, apresentada no Vaticano a 28 de setembro último, em trechos como estes: «As três religiões monoteístas partilham objetivos comuns e estão completamente de acordo na forma de encarar as seguintes situações acerca do fim da vida: a eutanásia e o suicídio assistido são moral e intrinsecamente errados e deveriam ser proibidos sem exceção. Rejeita-se categoricamente qualquer pressão e ação exercidas sobre os pacientes para os levar a pôr fim à sua vida. Nenhum profissional de saúde deveria ser obrigado ou submetido a pressão para assistir direta ou indiretamente à morte deliberada e intencional de um paciente através do suicídio assistido ou de qualquer forma de eutanásia […]. Encorajamos e apoiamos uma presença qualificada e profissional dos cuidados paliativos em todo o lugar e para todas as pessoas […]. Apoiamos leis e políticas que protejam o direito e a dignidade do paciente na fase terminal, para evitar a eutanásia e promover os cuidados paliativos».

Também da sociedade civil vêm sinais convergentes. No passado dia 26 de outubro, milhares de pessoas se manifestaram em várias cidades portuguesas em favor da salvaguarda e promoção da vida e contra a legalização da eutanásia. Manifestação que se tem repetido ano após ano, num crescendo de participação, mesmo que escassamente divulgada pelos media.

Recordamos igualmente a Declaração de cinco antigos Bastonários da Ordem dos Médicos, em setembro de 2016, quando afirma: «A Eutanásia, o Suicídio assistido e a Distanásia representam uma violação grave e inaceitável da Ética Médica (repetidamente condenados pela Associação Médica Mundial). O Médico que as pratique nega o essencial da sua profissão, tornando-se causa da maior insegurança nos doentes e gerador de mortes evitáveis». No passado mês de outubro, por ocasião da assembleia anual que decorreu na Geórgia, a Associação Médica Mundial reafirmou a sua oposição à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, sustentando que «nenhum médico deve ser obrigado a tomar decisões de encaminhamento para esse fim».

No atual momento sociopolítico português estas posições tão unânimes não podem deixar de ser tidas em conta por legisladores e cidadãos em geral. Assim iniciamos a nossa Assembleia Plenária, pedindo a luz divina para bem servirmos, no que nos compete, a Igreja que somos e a sociedade que integramos.

Fátima, 11 de novembro de 2019
+ Manuel Clemente